Tempo, um senhor soberano
- Daniela Abarca
- 11 de out. de 2019
- 3 min de leitura

“Peço-te o prazer legítimo E o movimento preciso Tempo tempo tempo tempo Quando o tempo for propício Tempo tempo tempo tempo
De modo que o meu espírito Ganhe um brilho definido Tempo tempo tempo tempo E eu espalhe benefícios Tempo tempo tempo tempo”
Caetano Veloso
Faz tempo...quanto tempo...É assim escrevendo sobre o tempo que retomo o prazer de registrar e compartilhar aqui minhas reflexões. A reflexão de hoje pousa na serenidade da minha relação de hoje com este “senhor tão bonito” como dizia Caetano na obra prima que é a canção Oração ao Tempo.
Há muito ouvimos as pessoas dizerem, talvez desde que somos muito pequenos, confia no tempo que ele sabe de tudo e tudo resolve. Mas confiar e se permitir entregar-se aos seus braços me parece uma tarefa bem mais complexa.
Na urgência que marca nossa vida cotidiana e no afã de que se há tudo por fazer e quase nada de tempo para tanto, nos vemos numa tentativa vã de controle do tempo, das variáveis e pessoas vistas muitas vezes como objetos os quais estão sob nossa posse. E assim acabamos atropelando os próprios pés como palhaços com seus sapatões. Penso por vezes no tempo como um senhor poderoso que ri de nós ao nos assistir buscando freneticamente acelerar as coisas, como aquele que tenta passar a perna em seu senhorio.
Procuro realizar - e hoje me sinto mais próxima disso - o fato que é no tolerar a falta de controle sobre as coisas que repousa a oportunidade de se adquirir algum pouco de sabedoria que seja. Aguardar, serenar o coração perante o que não nos cabe controlar e nos consome energia e presença. Presença já que é para o futuro que a ansiedade nos joga, assim como para o passado que o saudosismo e o remorso nos lança.
Vivemos a ânsia de buscar porquês, uma ânsia pelo conhecimento que Freud (1909) nomeava como instinto epistemofílico em seus escritos sobre a neurose obsessiva, que tantas portas nos abrem, mas que também - se descontrolado como pode ocorrer com todo tipo de impulso - vai nos escravizar. Ainda que eu reconheça que entender o porquê de algumas coisas nos traz certo alívio, precisaríamos leva-lo para o plural buscando compreender “os porquês”. Esta ideia de que A leva a B, cai por terra todas as vezes que nos deparamos com seres diferentes que embora vivendo em contextos bastante semelhantes, histórias muito próximas, desenvolvem-se de maneiras totalmente únicas. Penso ser filosofia de boteco aquela que nos diz que se fizer “assim” vai dar “assado”, “funcionou tão bem para fulano”. A natureza humana nos fez seres multifacetados, movido por múltiplas causas dentre as quais cerca de 90% temos completo desconhecimento.
Ainda que pudéssemos como que em um projeto arqueológico buscar nossos porquês, o que faríamos com o fruto da descoberta? Aí também há a presença de nosso senhor soberano, o tempo. Sejam quais forem as causas de nossas dores, de nossos males não nos é dado o poder de mexer os ponteiros e voltar no tempo para reescrita da história e para refazer escolhas. O que está, está. Inscrito a nos lembrar de nosso eterno processo maturacional e de que em dados momentos, eram os recursos de que dispúnhamos para tais escolhas.
Que o processo do autoconhecimento nos traga cada vez mais coragem para abrirmos mão do controle que nos escraviza, e que possamos aos poucos nos sentarmos no colo largo e confortável deste senhor que carinhosamente nos sopra aos ouvidos: Confia que tudo passa!
*FREUD, S. (1909)NOTAS SOBRE UM CASO DE NEUROSE OBSESSIVA