Ah! Como me irrita!
- Daniela Abarca
- 31 de jan. de 2019
- 3 min de leitura

Curioso pensar em como nos sentimos com determinadas despedidas. Em algumas delas podemos experimentar dor, receio da possível saudade que virá, mas também alívio pelo encerramento de um convívio que não estava ou nunca foi salutar. Tendo a pensar mais que vivemos é um misto de emoções em determinados adeus.
Curioso porque podemos pensar por alguns momentos: Como posso viver coisas tão contraditórias? A razão apontando que este convívio também nos trouxe muitos benefícios e que por isso cabe aí muita gratidão, e ao mesmo tempo o coração sentindo-se aliviado pelo término de algo que já não vinha bem. Importante perceber que neste “não vinha bem” tem muito de nós, do que nos cabia fazer e não fizemos, cabíamos pontuar e não pontuamos. Desta forma abraçamos o nosso quinhão na história toda e deixamos que o outro parta em paz sem a relação de dívida na qual comodamente nos colocamos como credores. O outro só faz o que faz por conta de uma equação muito simples: ele propõe e eu topo e/ou inversamente dá no mesmo.
Quando Pedro fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo. A relação de vítima x algoz é tentadora para a maioria de nós, aquilo que nos é insuportável facilmente é deslocada para fora, projetando no outro a responsabilidade pelo que nos aflige. Quase que de maneira automática nos encontramos sempre a postos para criticar fulano ou beltrano por fazer, ou falar algo que nos tira do sério, que nos põe inconformados. No entanto, poucos se perguntam, porquê me incomodo tanto com o outro. Se a maioria de nós já compreende que o que o outro pensa, fala e faz não está sob nosso controle, por que é que ainda nos pegamos tão aflitos com estas questões?
É aí que somos pegos, traídos por nós mesmos. O que nos irrita, incomoda, enraivece, inconforma - ou o nome que quisermos dar a estes sentimentos - é o que enxergamos de nós nestas pessoas. Dizem na cultura popular que Cabral só aportou por aqui com tamanha facilidade por não ter sido visto pelos índios, que não reconheceram as Caravelas como perigo por não as enxergarem, não as ter registrado em seu acervo pessoal. Assim também somos nós, capazes de enxergar e nos envolver emocionalmente unicamente com aspectos que de alguma forma estão registrados em nossos arquivos. Seja por semelhança, desejo ou pavor, aquilo que no comportamento ou fala do outro me fisga o estômago é meu conhecido, tem a ver mais comigo do que com ele.
Com alguma dose de autoconhecimento, conseguimos perceber que o que nos deixa inconformados é esta outra pessoa não conseguir enxergar o que para mim está tão claro. O que deflagra outra questão que é acreditarmos que a única visão correta, verdadeira, é a nossa, e que por exclusão a do outro não passa de um equívoco, ou “coitado ele ainda vai se dar conta que as coisas não são assim” o que nos coloca em uma posição de superioridade bastante questionável. Seja no sustento de uma crença, ou na tirania de que ajam conforme nossos códigos de conduta pregam, ambas são posições bastante sofridas, para eles, mas também para nós.
Aceitar que existe o livre arbítrio e que a partir dele - assim como a mim - há liberdade para escolher, arraigar crenças, disseminar preceitos, talvez seja um bom desafio para muitos de nós. Quando se pegar muito preocupado com o outro, com a forma com que ele vive, age, fala ou pensa dê um passo para trás para empreender esta busca pela compreensão do que lhe fisga nisso tudo. Na maioria das vezes ao nos preocuparmos demais com os outros estamos na verdade fugindo de nos ocuparmos de nós mesmos, e de lambuja ainda ganhamos o título de amigos interessados e benevolentes. A quem queremos enganar cara pálida?