Hum, não obrigada!
- Daniela Abarca
- 24 de out. de 2018
- 3 min de leitura

É notório o enorme volume de pessoas que se queixam de uma mesma dificuldade: Dizer não!
Para alguns até se tem clareza do porque de tanta dificuldade, eles rapidamente se autodiagnosticam: faço isso por medo de magoar o outro. Lê-se nas entrelinhas que magoar a si próprio tá autorizado, o importante é não magoar o outro, entendi corretamente?
A psicologia nos apoia lançando luz e nos permitindo aprofundar no tema quando retomamos uma das primeiras tarefas, e desafios de nossas vidas. O bebê desde muito cedo se dá conta – e é claro que aqui não falamos de um se dar conta conscientemente – que habitam dentro de si forças muito poderosas que o impulsionam para a vida mas outros que o amedrontam e ameaçam sua sobrevivência fazendo com que o nosso início seja uma fase de dependência absoluta de cuidados externos. Melanie Klein traz brilhantemente em suas descobertas que nas primeiras relações da criança com o mundo (chamado por ela de relação com o objeto) para ser capaz de suportar a ação destas forças poderosas, o bebê precisa lançar parte dela para fora, projetando no objeto àquelas que o ameaçam e estão ligadas aos nossos aspectos mais agressivos, destrutivos. Assim para a criança passam a existir o bom e o mau inicialmente representados em nosso primeiro objeto: o seio materno. Sem se dar conta (por hora) que se trata de um mesmo objeto, para o bebê existe o seio bom que lhe aplaca a fome, aquece e acalanta. Mas também o seio mau, aquele que lhe causa o desconforto das dores, dos incômodos, do frio ou do calor, aquele que retarda a chegada do alimento e a saciedade.
É somente aos poucos, a medida que o bebê vai introjetando a existência de um seio bom (a introjeção não fala de uma certeza na existência externa de um seio bom, mas a certeza de que este seio foi criado por ele, que existe este poder criativo e o amor dentro de si), fonte de amor inesgotável e incondicional que ele vai adquirindo confiança para se colocar no mundo, expressar-se livremente, seguro de que é um ser amável pelo que é. Um dos pontos primordiais na obra de Melanie Klein e que acompanhava as ideias de Freud, é que o que define nossa capacidade de introjeção e projeção de bons e maus objetos e de aspectos bons ou maus das situações não é unicamente a boa qualidade do ambiente em que esta criança se desenvolveu. Sem dúvida as questões ambientais têm grande influência e valor, no entanto NÃO são determinantes, responsáveis pela nossa capacidade de amar ou odiar mais ou menos.
Voltando a nossa questão inicial, este temor que tantos de nós temos, de não expormos nossas opiniões, nossas vontades, gostos e desgostos possivelmente tem suas bases nestas primeiras relações. Na forma com que - em parte - nos sentimos seguros e capazes de sermos objeto de amor do outro pelo que somos, mas também pela forma com que em nossas primeiras relações, fomos incentivados ou tolhidos a nos expressar livremente, genuinamente. Acrescentando-se a isso uma importante questão, e talvez a primeira de todas elas, – já salientei em outros momentos que em psicanálise nunca falamos da realidade objetiva, mas sempre da subjetiva – que é o fato de que todas estas questões estão permeadas pela lente individual, como eu enxerguei desde o início estas minhas relações, como eu percebi e percebo até os dias atuais as exigências deste meio, será que são mesmo do meio? A preocupação excessiva de atender as expectativas do outro pode em nada ter a ver com a história concreta do indivíduo, pode acontecer, e não raro acontece, que fulano sempre foi incentivado a se colocar, a demarcar sua posição e ainda assim sentir-se muito inseguro a isso, dependendo de direcionamento e aprovação constante do meio para se colocar.
As leis que regem a interação entre mundo interno e mundo externo são complexas e estão em constante retroalimentação. Como se questiona no popular, não se sabe quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Mas em uma coisa muitos de nós amantes da psicanálise concordamos, as experiências externas reforçam nossas crenças e percepções oriundas no mundo interno, como num ciclo que nos acompanha por toda a vida.
O ser humano, alguns em maior ou menor dose, é um juiz implacável consigo mesmo e com os outros. Como em tantos outros assuntos, nos vemos impotentes quanto ao que irão pensar ou dizer de nós, desta forma, penso que reconhecer e agir de acordo com que rege nosso interior possa ser uma boa saída na maioria das vezes. Quem sabe você não se surpreenda ao perceber que o medo de magoar era um fantasma muito maior do que de fato era?!?
O grande Lenine retratou um pouco desta beleza e desafio que é nos assumirmos, em uma das brilhantes frases de Do It ele nos recomenda "não se submeta". Curta esta delícia que é Do it, música de Lenine.