Ah! Eu não nasci pra ficar sozinho
- Daniela Abarca
- 17 de out. de 2018
- 3 min de leitura

Esta é uma frase que ouvimos frequentemente. Ouvida esta semana, esta frase me remeteu a um texto de Winnicott de 1958 – A Capacidade para estar só. Nele Winnicott fala da capacidade de estar só como uma conquista e o diferencia do desejo de ficar sozinho.
Vivemos em diferentes momentos da vida o desejo de ficar sozinhos, imersos em pensamentos, problemas, tomadas de decisão. No entanto, falamos hoje não sobre o querer, mas sobre o suportar estar só, capacidade sofisticada como bem diz Winnicott.
Retomando os primórdios da Psicanálise, Freud trouxe a noção de que habita em nós a pulsão de vida - aquela que nos impulsiona, traz movimentos, nos excita e faz criar - mas também convivemos com a pulsão de morte, a que nos direciona e tem como alvo a inércia, o cessar da excitação, a quietude, o nadismo. Presentes em nós também estão muitas derivadas, entre elas está a agressividade e outras tantas características que nem sempre admiramos e nos orgulhamos em tê-las. E estar só muitas vezes representa medo, pânico até por estar na companhia da nossa capacidade de odiar, de destruir, de maltratar, maldizer e tantas outras humanidades ditas menos nobres.
Winnicott traz o tema como uma conquista, fruto do amadurecimento emocional do indivíduo. E me volta a tal personagem da semana na cabeça, brincando ela repete – até um tanto orgulhosa de si - que nasceu para estar nas multidões, cercada por gente, festas e diversão. Penso que parte destas pessoas buscam na multidão um refúgio para não se ver só, no entanto, quão comum é sentirem-se sós mesmo em meio a tanta gente.
Um ponto importante nesta teoria de Winnicott é que falamos de estar sós na presença de alguém. Paradoxal o conceito não? Explicando, ele nos conta que estar sós nos remete a uma de nossas experiências mais primitivas, aquela em que o bebê vivencia breves momentos sozinho até que possa retornar sua mãe ou uma mãe substituta. Na vida adulta estarmos sós nos remete a reviver a experiência de termos ou não sido capazes de suportar rápidas ausências da mãe ou de quem ocupava este papel. A maternagem saudável compreende nos primeiros dias e meses de vida do bebê uma dedicação quase que exclusiva da mãe aliada a um ambiente de constância e rotinas estabelecidas que, no bebê, irá sedimentar a confiança de que ela volta e que estará lá sempre presente (internamente falando). Pavimenta em nós a confiança nas pessoas e em nossa capacidade de suportar estarmos sós.
A tal “presença de alguém” dita por Winnicott refere-se a esta figura materna segura, estável que foi internalizada pela criança e que é capaz de nos despertar a sensação de nunca estarmos sós. O desenvolvimento emocional saudável e maduro compreende esta capacidade de estar bem, seguros e tranquilos independentemente de estarmos sós ou em grandes aglomerações, esta segurança vem de dentro e foi pacientemente construída anos atrás.
Em psicanálise nunca falamos da realidade concreta, mas a realidade psíquica, o que significa dizer que aquilo que sentimos muito pouco ou em nada tem a ver, na maioria das vezes, com o que de fato se passou em nossa história. E se você está se perguntando agora, o que faço eu que não tive, ou acredito que não tive, uma maternagem bacana, segura, estável, amorosa e todo o resto da receita de bolo QUASE infalível? Nunca serei capaz de estar bem sozinho? Calma, não é assim que as coisas funcionam, mas o caminho é sempre o mesmo: a busca pelo autoconhecimento. Saber de si ainda é minha aposta como melhor remédio para a maior parte de nossas dores. Entender como se deu sua história, a partir dos seus registros, de sua percepção e vivência é fundamental. Acessar memórias abre espaço para que possamos reviver emoções e momentos muito importantes que podem ter ficado para trás como pequenas poças, ilhas que vão se acumulando no caminho. Poder reconhecer a dor e a falta nos libera espaço para novas construções, nos permite virarmos páginas e recomeçarmos novos relacionamentos com a gente mesmo, se enamorar por si que pode ser - quem sabe - nossa melhor companhia, sempre.
WINNICOTT, D.W.; (1958); A capacidade para estar só; in O ambiente e os processos de maturação; Porto Alegre; Artmed; 1983